sexta-feira, 31 de julho de 2009

Celebrando Michael Mann e "Inimigos Públicos"

Como é bom entrar na sala escura e dar de um cara com um grande filme! Já há alguns meses não encontrava algo que preenchesse a expectativa e motivasse ao menos um sorriso de canto de boca. Pois é o que acontece ao assistir a Inimigos Públicos, de Michael Mann.

Não nos enganemos: Michael Mann faz cinema dentro da indústria. Estão lá quatro dos principais pilares do cinema hollywoodiano: o star system, repres
entado por um elenco capaz de mobilizar imensas plateias (Johnny Depp, Marion Cotillard e Christian Bale); o studio system, cuja poderosa influência é lembrada pela logomarca da Universal Pictures; o roteiro, que não nega a linha clássica, encadeando cenas em direção a um clímax; e o orçamento polpudo, que, nesse caso, chega a US$ 80 milhões.

Dito isso, passemos à frente: dentro do esquema hollywoodiano, Michael Mann é hoje um dos cineastas mais interessantes. Ainda que embalados e vendidos como produtos industriais, seus trabalhos têm estilo e vigor raros mesmo nos filmes mais “artísticos” ou “vanguardistas”.

Um dos ma
iores deleites que se pode ter num filme de Michael Mann, e especialmente em Inimigos Públicos, advém do incrível senso de ritmo e posicionamento de câmera desse diretor, capaz de transportar o espectador para dentro de uma seqüência de ação e quase fazê-lo pular da cadeira. Pode parecer clichê exagerado, mas não é. Não nesse caso. Compare um filme de ação qualquer com um filme de Michael Mann. Tome-se Batman – O Cavaleiro das Trevas, por exemplo. Christopher Nolan é capaz de entreter o público com cenas grandiosas e barulhentas – mas assépticas e mecânicas.

O cinema de Mann não tem nada de burocrático. É vivo e pulsante, tem sabor e cheiro. Seus personagens transpiram e desejam de forma quase palpável. E a ação construída por ele tem a medida exata do ritmo: imagem e som combinados de forma nada menos que vibrante. Em Inimigos Públicos, a apresentação do personagem de Christian Bale, Melvin Purvis, numa caçada humana ao som de "Ten Million Slaves" é exemplar nesse sentido.

Não raro, Mann surpreende o espectador com um ponto de vista inusitado. Sua câmera explora o cenário em busca de ângulos que outros realizadores nem desconfiam que existem. Essa preocupação, porém, não deságua em mero fetichismo técnico ou malabarismo visual. Revela, antes, uma inquietação e uma vontade de explorar as possibilidades do cinema (inclusive no que diz respeito ao suporte, a imagem digital). Ao fim da história, nada ali parece gratuito ou fora de lugar. Pelo contrário. No caso de Inimigos Públicos, o filme dá a sensação de ser até mais enxuto do que sugerem as suas quase duas horas e meia de duração.

Assista ao trailer:



quarta-feira, 29 de julho de 2009

Perro Loco vem aí

Considerado uma das três maiores obras do cinema latino-americano, o documentário Memórias de Subdesenvolvimento (foto) é o primeiro filme a ser exibido na terceira edição do festival Perro Loco, que vai de 25 a 30 de agosto, na Universidade Federal de Goiás. O destaque para o trabalho do cubano Tomás Gutiérrez Alea já coloca o evento num patamar diferenciado. Mas há outras boas surpresas.

Assim como no ano passado, quando trouxe a Goiânia o até então inédito aqui Serras da Desordem, a organização volta a dar atenção ao diretor Andrea Tonacci. Mais três filmes deles têm lugar na programação: Olho por Olho (1966) e Blá, Blá, Blá (1968) e Bang Bang (1970).

Outro ícone do cinema marginal vem a Goiânia especialmente para o festival. Helena Ignez, atriz e diretora, acompanha a exibição de seu Canção de Baal (2008), dia 26, às 9 horas, e ainda participa de dois debates.

Os filmes de Alea, Tonacci, Ignez e Paulo Sacramento, entre outros, compõem a Mostra Paralela. Para a Mostra Competitiva, que recebeu inscrições de 260 filmes de nove países, foram selecionados 13 documentários, sete animações e 21 ficções. Os vencedores de cada categoria recebem prêmios de R$ 1 mil.

Aindo dentro da programação do 3º Perro Loco, há oficinas, palestras e atrações musicais. Notícias sobre o festival e a programação completa estão no site oficial. Acompanhe o evento também pelo Orkut, pelo Twitter e pelo Facebook.

terça-feira, 21 de julho de 2009

O resgate do Rei do Suingue


A melhor parte de Simonal — Ninguém Sabe o Duro que Dei está no uso competente de imagens de arquivo. Graças a um notável trabalho de pesquisa, seleção, corte e mixagem, o protagonista do filme — cantor de grande sucesso nas décadas de 60 e 70 — é reconstruído na tela em todo o seu carisma e talento, suingue e irreverência. Bastam alguns minutos de projeção para que a plateia se entregue ao embalo da “pilantragem” de Simonal, balançando a cabeça e batendo o pé na cadência gostosa da mistura entre samba e soul.

O trabalho de pesquisa histórica é reunido, pela montagem, a interessantes interferências gráficas e uma de série de entrevistas que informam e contextualizam as imagens. Em seus bons momentos, esses depoimentos acrescentam carga dramática ao filme, na medida em que amigos, inimigos, familiares e observadores dos acontecimentos expõem sentimentos ligados ao protagonista e à época.

Isso tudo se dá na primeira metade de Simonal, quando o documentário se dedica a representar o crescimento vertiginoso da carreira do cantor. Na segunda metade, a coisa muda de figura. Ao abordar os motivos que levam à queda do Rei do Suingue, o filme que tendia até então para o musical assume agora o ar de investigação jornalística, que tem os seus problemas.

O maior deles é que esbarra no limite da entrevista. Como instrumento de coleta de informação, a entrevista é um procedimento tão rico quanto precário. Não raro, diz mais sobre o entrevistado que sobre o assunto da conversa. Parece ser justamente isso o que acontece em Simonal. Sem conseguir se aprofundar num processo de apuração efetivo, o filme se apoia num choque de versões que é insuficiente para estabelecer a culpa ou inocência do cantor (e esse nem deveria ser o caso). Expõe, isso sim, a leviandade de muita gente envolvida na história.

É preciso relevar o discurso moralizante, bem como compreender certo conservadorismo estético e baixa autorreflexividade, para detectar em Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei uma contribuição inquestionável: ao olhar com carinho para esse personagem marginal, o documentário certamente ajuda a resgatar a história e a importância do intérprete para o contexto da música brasileira.


OBS: Texto originalmente publicado no blog do professsor Lisandro Nogueira em 5 de julho de 2009. O documentário já não está mais cartaz em Goiânia. Enquanto aguarda o lançamento em DVD, veja um trecho abaixo.