sexta-feira, 16 de outubro de 2009

"Ressignificar": tema ousado, forma convencional


Vencedor do troféu José Petrillo para melhor produção goiana no XI Festival de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica) e exibido na 9ª Goiânia Mostra Curtas, Ressignificar levanta uma discussão interessante sobre a possibilidade de se “reciclar” o cinema, dando novos sentidos a imagens já captadas e reduzindo, consequentemente, o impacto da atividade no meio ambiente.

Em cerca de 15 minutos, o documentário da realizadora Sara Vitória entrevista cineastas e outros profissionais ligados à produção audiovisual na região Centro-Oeste para mostrar que dá pra criar o novo a partir do velho. Nomes como Joel Pizzini, Lourival Belém Jr. e Cláudia Nunes dão seus depoimentos. Para reforçar o argumento, Sara lança mão de trechos de filmes exemplares nesse sentido: os curtas goianos Rapsódia do Absurdo e Concerto da Cidade são dois deles. Arrisca, ainda, interferências gráficas nas imagens: mudança de colorido para preto e branco, avanço ou retrocesso rápido etc, com o objetivo de ilustrar as falas.

Coerente? Sim. Mas óbvio? Com certeza. Apesar de denunciar a existência de uma mente inquieta na concepção do trabalho, o didatismo de Ressignificar atrapalha seu discurso em favor da exploração poética do cinema. Em resumo, a forma convencional não acompanha a ousadia temática do filme. Indica, isso sim, o potencial de uma realizadora que se dispõe a pensar o “fazer cinematográfico”. Não é pouca coisa.

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PS: Texto escrito para o seminário de Crítica de Cinema da 9ª Goiânia Mostra Curtas.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Dica de curta-metragem: "O Sanduíche"


Visto agora, nove anos depois de seu lançamento, O Sanduíche (2000) impressiona por seu vigor e criatividade. Ao lado de Ilha das Flores (1989), é o melhor registro da origem de um talento, o do diretor gaúcho Jorge Furtado, que se reafirmaria nos anos seguintes em trabalhos para a televisão (roteiros de minisséries como Caramuru – A Invenção do Brasil) e para o cinema (O Homem que Copiava, Meu Tio Matou um Cara e outros).

Multipremiado, O Sanduíche começa com a despedida melancólica de um casal. A câmera fixa, a iluminação intimista e o clima pesado compõem o quadro de um relação agonizante. Pouco tempo depois, uma deixa na fala da co-protagonista desencadeia um processo que põe em xeque a impressão de realidade — tão cara ao cinema clássico — e instaura no filme um novo estado de espírito. Em outro momento, a câmera se desloca voluntariamente e os planos se alternam com rapidez, criando a sensação de uma conversa dinâmica — uma relação nova e viva que se inicia.

Aqui, a forma (montagem, iluminação, etc) está a serviço do conteúdo (enredo) tanto quanto o conteúdo está a serviço da forma.

Como uma língua de sogra impulsionada pelo sopro do diretor, o filme se desenrola em outras camadas de linguagem e níveis de representação. Fim e início, realidade e ficção: o jogo de opostos conduz o espectador a uma reflexão sobre o universal do amor e o específico da arte. O sanduíche que dá título ao filme, item aparentemente despretensioso no enredo do curta, corre de mão em mão para mostrar que o sabor depende do paladar de quem saboreia, assim como o sentido de uma imagem depende do ponto de vista de quem vê.

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Para assistir ao filme, entre no site do Porta Curtas. Lá você encontra também o roteiro de O Sanduíche e informações sobre outros títulos.