Visto agora, nove anos depois de seu lançamento, O Sanduíche (2000) impressiona por seu vigor e criatividade. Ao lado de Ilha das Flores (1989), é o melhor registro da origem de um talento, o do diretor gaúcho Jorge Furtado, que se reafirmaria nos anos seguintes em trabalhos para a televisão (roteiros de minisséries como Caramuru – A Invenção do Brasil) e para o cinema (O Homem que Copiava, Meu Tio Matou um Cara e outros).
Multipremiado, O Sanduíche começa com a despedida melancólica de um casal. A câmera fixa, a iluminação intimista e o clima pesado compõem o quadro de um relação agonizante. Pouco tempo depois, uma deixa na fala da co-protagonista desencadeia um processo que põe em xeque a impressão de realidade — tão cara ao cinema clássico — e instaura no filme um novo estado de espírito. Em outro momento, a câmera se desloca voluntariamente e os planos se alternam com rapidez, criando a sensação de uma conversa dinâmica — uma relação nova e viva que se inicia.
Aqui, a forma (montagem, iluminação, etc) está a serviço do conteúdo (enredo) tanto quanto o conteúdo está a serviço da forma.
Como uma língua de sogra impulsionada pelo sopro do diretor, o filme se desenrola em outras camadas de linguagem e níveis de representação. Fim e início, realidade e ficção: o jogo de opostos conduz o espectador a uma reflexão sobre o universal do amor e o específico da arte. O sanduíche que dá título ao filme, item aparentemente despretensioso no enredo do curta, corre de mão em mão para mostrar que o sabor depende do paladar de quem saboreia, assim como o sentido de uma imagem depende do ponto de vista de quem vê.
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Para assistir ao filme, entre no site do Porta Curtas. Lá você encontra também o roteiro de O Sanduíche e informações sobre outros títulos.
4 comentários:
Marco, usei muito esse filme em sala de aula. Filme muito importante.
Um abraço,
lisandro
Grande Lisandro! É sempre um prazer tê-lo aqui! Abraço!
O filme é bem bacana, mas eu terminaria dois minutinhos antes. Sei que a proposta do diretor era a desconstrução, mas pra mim o filme seria genial caso fosse encerrado um pouquinho mais cedo.
Entendo sua posição, Nina, mas você sabe que não concordo. Se ele terminasse o filme no ponto que você quer, não daria tempo de apresentar os atores-personagens (incluindo o "diretor") e também não daria tempo de ir pra plateia, "representando" a quebra da "quarta parede". Na minha opinião, são dois níveis essenciais para a proposta do filme - construção-desconstrução de sentido.
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