
Como é bom entrar na sala escura e dar de um cara com um grande filme! Já há alguns meses não encontrava algo que preenchesse a expectativa e motivasse ao menos um sorriso de canto de boca. Pois é o que acontece ao assistir a Inimigos Públicos, de Michael Mann.
Não nos enganemos: Michael Mann faz cinema dentro da indústria. Estão lá quatro dos principais pilares do cinema hollywoodiano: o star system, representado por um elenco capaz de mobilizar imensas plateias (Johnny Depp, Marion Cotillard e Christian Bale); o studio system, cuja poderosa influência é lembrada pela logomarca da Universal Pictures; o roteiro, que não nega a linha clássica, encadeando cenas em direção a um clímax; e o orçamento polpudo, que, nesse caso, chega a US$ 80 milhões.
Dito isso, passemos à frente: dentro do esquema hollywoodiano, Michael Mann é hoje um dos cineastas mais interessantes. Ainda que embalados e vendidos como produtos industriais, seus trabalhos têm estilo e vigor raros mesmo nos filmes mais “artísticos” ou “vanguardistas”.
Um dos maiores deleites que se pode ter num filme de Michael Mann, e especialmente em Inimigos Públicos, advém do incrível senso de ritmo e posicionamento de câmera desse diretor, capaz de transportar o espectador para dentro de uma seqüência de ação e quase fazê-lo pular da cadeira. Pode parecer clichê exagerado, mas não é. Não nesse caso. Compare um filme de ação qualquer com um filme de Michael Mann. Tome-se Batman – O Cavaleiro das Trevas, por exemplo. Christopher Nolan é capaz de entreter o público com cenas grandiosas e barulhentas – mas assépticas e mecânicas.
O cinema de Mann não tem nada de burocrático. É vivo e pulsante, tem sabor e cheiro. Seus personagens transpiram e desejam de forma quase palpável. E a ação construída por ele tem a medida exata do ritmo: imagem e som combinados de forma nada menos que vibrante. Em Inimigos Públicos, a apresentação do personagem de Christian Bale, Melvin Purvis, numa caçada humana ao som de "Ten Million Slaves" é exemplar nesse sentido.
Não raro, Mann surpreende o espectador com um ponto de vista inusitado. Sua câmera explora o cenário em busca de ângulos que outros realizadores nem desconfiam que existem. Essa preocupação, porém, não deságua em mero fetichismo técnico ou malabarismo visual. Revela, antes, uma inquietação e uma vontade de explorar as possibilidades do cinema (inclusive no que diz respeito ao suporte, a imagem digital). Ao fim da história, nada ali parece gratuito ou fora de lugar. Pelo contrário. No caso de Inimigos Públicos, o filme dá a sensação de ser até mais enxuto do que sugerem as suas quase duas horas e meia de duração.
Assista ao trailer: