terça-feira, 2 de junho de 2009

Balanço da Mostra de Cinema Alemão – Parte 2


Alguns dias depois do Sérgio, chegou a Goiânia outra pessoa cujo conhecimento e paixão pelo cinema me contagiariam: Yanet Aguilera. Assistir a No Decurso do Tempo (foto) e ouvi-la falar sobre Wim Wenders com seu envolvente sotaque castelhano foram dois prazeres que tive na semana retrasada.

Batizado com o sugestivo nome de “Wenders Cinéfilo”, o minicurso da professora da USP se propunha a mergulhar no oceano de referências cinematográficas do diretor alemão, considerado o mais “americanizado” de todos. Escolheu, pra isso, três filmes. Do ponto de vista histórico, O Amigo Americano talvez seja o mais importante deles (para muitos, marca uma transição de fase no cinema alemão). Mas foram No Decurso do Tempo e Um Filme para Nick os que mais me impressionaram.

Em No Decurso do Tempo (1976), por exemplo, é inesquecível a sequência em que Hanns Zischler e Rüdiger Vogler ziguezagueiam pela estrada sobre uma moto (uma BMW R 21/3), costurando delicadamente um road movie em que dois jovens viajantes promovem o encontro da herança cultural alemã com o grande cinema americano. Projeção finalizada, entra Yanet em cena para explicar como essas passagens podem ser relacionadas a filmes como Easy Rider – Sem Destino (Dennis Hopper, 1959) e Paixão de Bravo (Nicholas Ray, 1952).

A admiração de Wenders por esses dois diretores americanos fica ainda mais evidente em 1977, com o lançamento de O Amigo Americano. Nele, Hopper e Ray interpretam os papeis de Tom Ripley e Derwatt, respectivamente. Baseado no livro de Patrícia Highsmith (refilmado depois com Matt Damon no elenco), o thriller é transformado por Wenders numa reflexão sobre a mercantilização da arte e a possibilidade de se contar histórias no cinema. Ao mesmo tempo em que critica Hollywood por colocar no ostracismo cineastas do porte de Hopper e Ray, Wenders faz uma homenagem ao filme policial americano dos anos 50.

A cena inicial de O Amigo Americano (Hopper desembarca de um táxi em frente a um edifício vermelho, onde mora o personagem de Ray) é retomada por Wenders em Um Filme para Nick (1980). Aqui, porém, o cineasta alemão embaralha a fronteira entre ficção e documentário para prestar uma homenagem final ao diretor de Paixão de Bravo. Acometido por um câncer terminal, Ray definha na tela, enquanto Wenders se esforça para evitar o efeito “voyer”, implicando-se na experiência (foto).

Yanet defende Wenders, que na primeira montagem do filme, exibida em Cannes, foi chamado de “necrófilo”. Para ela, a segunda montagem (a única conhecida hoje em dia) constrói para Ray uma personagem que está no limite da representação, equilibrando-se em linha tênue sobre ficção e realidade. O percurso final dessa personagem pode ser relacionado ao de outras, como Aquiles (que enfrenta a morte) e Sócrates (que morre exemplarmente, cercado de amigos - a “bela morte”).

Tema banalizado pelo cinema (sobretudo em gêneros como terror e ação), a morte assume, em Um Filme para Nick, outro status. Um status que está além do pastiche e da paródia.

Yanet encerra o minicurso com uma conversa sobre esse belo documentário. Antes de ir embora, ela confessa, para surpresa de todos, que sua paixão por Wenders tem um limite. Vai até Paris, Texas (1984). A partir de Asas do Desejo (1987), na opinião dela, há uma mudança decisiva na cinematografia do diretor. “A imagem perde opacidade, se torna grandiosa. Em Asas do Desejo, é o olhar de Deus”, justifica. Dali em diante, a professora passa a se dedicar a outros nomes do “Jovem Cinema Alemão”. Alexander Kluge, por exemplo. Sobre a decepção e a consequente mudança de objeto de pesquisa, ela resume, consciente: “Não queria perder o Wenders que construí pra mim”.

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PS: Quer baixar a bela trilha sonora de No Decurso do Tempo? Clique aqui e vá ao pé da página. Cortesia do site oficial de Wim Wenders.

3 comentários:

Lisandro Nogueira disse...

Marco,
fiquei sabendo que Yanet estava aqui em cima da hora. Mesmo assim deu tempo para o vinho com ela e Pierre. Você tem razão: ela é ótima, sensível e inteligente.
Bom blog,
Lisandro

Marco A. Vigario disse...

Lisandro: Yanet é dessas professoras que contagiam os alunos com sua paixão pelo cinema, assim como você. Obrigado pela visita. Abraço!

Lisandro Nogueira disse...

Seu blog está bom. Vá em frente.
Lisandro